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Mostrando postagens de 2018

A rua é uma festa: um novo olhar sobre a cidade à luz da teoria de Jane Jacobs

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“Criança precisa andar pela cidade para ser cidadã”. Irene Quintáns, Urbanista Há pouco tempo, escrevi um texto no qual estabelecia uma diferença na forma como os cariocas e os paulistanos fazem uso das suas cidades. Para tanto, eu conto como foi que eu, que sou paulistana e morei em São Paulo desde que nasci até meus trinta anos de idade, mudei completamente o meu modo de perceber e conceber uma cidade ao vir morar no Rio de Janeiro. O que eu tento mostrar é a forma peculiar como cariocas e paulistanos fazem uso das suas cidades. Um ponto crucial que expressa essa diferença é a utilização do espaço público. Em São Paulo as pessoas vivem majoritariamente intramuros, praticamente não há convivência nas ruas. Já no Rio de Janeiro eu pude ter a experiência, enquanto moradora do bairro de Ipanema há dezesseis anos, de uma cidade como um organismo vivo. E então, para corroborar com essas minhas ideias e iluminar as minhas reflexões um tanto quanto ligeiras naquele t

O Cheiro do Ralo e a monetarização do humano na modernidade

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Este texto é uma tentativa de elucidar alguns conceitos do sociólogo alemão Georg Simmel, desta vez a partir de discussões estabelecidas pelo brilhante filme de Heitor Dhalia. Neste longa metragem de 2007, conhecemos Lourenço, um negociante de objetos usados que passa seus dias enfurnado em um galpão recebendo a visita de clientes, em relação aos quais ele nutre um desprezo que beira o patológico. Para Lourenço, o mais importante não são as pessoas, e sim as coisas. Trata-se, a partir dessa interpretação, de um personagem construído como um estereótipo, ou até mesmo um tipo ideal, do indivíduo blasé - conforme a conceituação simmeliana - que habita as grandes metrópoles da modernidade, onde a impessoalidade é a regra. Logo na primeira cena, somos surpreendidos por uma bunda feminina em primeiríssimo plano. A câmera segue, de trás, o andar de uma personagem que depois iremos conhecer, num movimento subjetivo de quem segue uma mulher na rua, como se já neste início da narra

O Anti-herói Americano é um anti-social simmeliano

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Quem assiste ao filme Anti-Herói Americano (American Splendor, EUA, 2003) de Shari Springer Berman e Robert Pulcini, longa biográfico que retrata a vida de Harvey Pekar, irá se deparar com a história de um indivíduo que vive a vida de modo sui generis, que não está disposto a sujeitar-se a nenhum tipo de regra social, e para quem as interações sociais não obedecem a nenhuma forma pré-determinada com vistas a qualquer interesse que possa estar contido nessas mesmas interações. Se o caro leitor conhece o conceito de sociação do sociólogo alemão Georg Simmel, já deve ter desconfiado aonde essas reflexões acerca do filme sobre a vida de Harvey Pekar pretendem chegar. No entanto, antes de entrar em tais alusões sociológicas, permitam-me apresentar um breve resumo do filme, para aqueles que não o assistiram. Harvey Pekar, o nosso anti-herói real, trabalhava como arquivista num hospital em Cleveland e levava uma vida, como ele mesmo denominava, ordinária. Ao conhecer o ca

“A Vila”: uma ilustração de conceitos de E. Durkheim

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O texto a seguir tem por objetivo exemplificar alguns conceitos de Émile Durkheim, à luz do filme A Vila (The Village, 2004). O que se pretende aqui não é esgotar a análise desse longa sob uma perspectiva sociológica, mas fazer um recorte, um uso específico para ilustrar determinados conceitos durkheimianos, a saber: solidariedade mecânica versus solidariedade orgânica; anomia; sociedade tradicional versus sociedade moderna. O filme A Vila, do diretor indiano radicado nos EUA, M. Night Shyamalan, foi originalmente concebido como uma metáfora sobre o medo instalado nos Estados Unidos da era Bush, pós-atentado de 11 de setembro de 2001. No filme, uma comunidade autossuficiente, aparentemente do século XIX, se estabelece nos limites de uma floresta onde viveriam estranhos seres, os "cujo-nome-não-se-menciona". A floresta separa a comunidade do resto do mundo, da civilização. Os habitantes da vila vivem em paz e harmonia, guiados por um conselho de anciãos. Há um pacto de

A sociologia da dominação em “Que horas ela volta”

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Muito já se falou a respeito do aclamado filme de Anna Muylaert. Mas, de um ponto de vista sociológico, podemos indagar: o que exatamente essa obra cinematográfica poderia nos dizer sobre dominação de classe na sociedade brasileira contemporânea? “Que horas ela volta” é um filme de 2015 que aborda as relações afetivas, bem como as tensões estabelecidas entre uma empregada doméstica nordestina em São Paulo (Val, interpretada por Regina Casé) e os membros da família de seus patrões, além de sua filha, deixada em Pernambuco. A aparente normalidade da vida desses personagens é abalada quando Jéssica (interpretada por Camila Márdila), a filha de Val, chega à metrópole para prestar o vestibular. “Você é praticamente da família”, diz, a certa altura do filme, a personagem Bárbara a sua empregada Val. Quem nunca ouviu essa expressão alguma vez na vida, seja nas novelas, na literatura ou na vida real? Mas o que talvez muitos não tenham captado é o real sentido sociológico da s

O filme Whiplash segundo a sociologia de Pierre Bourdieu: esboço de uma análise cinematográfica

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O filme “Whiplash: em busca da perfeição”, do diretor norte-americano Damien Chazelle, que conta a história de um jovem músico baterista em sua busca pelo reconhecimento de um renomado professor do conservatório onde estuda, apresenta em sua narrativa uma série de pressupostos que encontramos em algumas das teorias formuladas pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. Logo na cena inicial, o estudante Neuman é flagrado pelo professor Fletcher tocando bateria no conservatório. Ao final da performance, Fletcher faz uma abordagem propondo ao rapaz que venha a participar de sua jazz band , deixando claro que para isso Neuman terá que ser aprovado para o posto. A partir daí, o filme se desenrola num verdadeiro calvário de Neuman em busca – como a própria tradução para o português assinala – da perfeição. O que, na verdade, significa, em termos da terminologia bourdiesiana, consagração. O filme inteiro parece dedicado a tornar manifestos todos aqueles investimentos que os agentes põem em