Análise pedagógica do filme “Doutor Gama”, por Bruna Bonfeld

 


 Bruna Bolfeld, historiadora e professora 

https://www.instagram.com/profhistoria_brunabonfeld/

O filme brasileiro “Doutor Gama” (2021), narra a história verídica do advogado Luíz Gama, negro, vendido como escravizado enquanto criança, mas que consegue na fase adulta comprovar o seu direito à liberdade, virando um advogado de prestígio e conseguindo defender causas importantes na justiça na segunda metade do século XIX em favor da causa abolicionista. 

Muito se fala atualmente no ensino de história sobre a importância de se apresentar narrativas históricas em favor da causa negra, saindo do viés da escravização. Essa prática pedagógica seria importante para empoderar e conceder autoestima às crianças negras, a fim de que elas percebam em seus antepassados que lutaram por justiça, obtiveram sucesso e que portanto, elas também podem conseguir. 

Porém pouco se faz nesse sentido, seja pela rigidez do currículo em história tradicional nas escolas, seja pela legítima falta de tempo do professor em abordar novas narrativas. O filme Doutor Gama traz essa possibilidade aos docentes, pois a história de Luiz Gama está diretamente relacionada com o conteúdo do Brasil Império, a história da escravidão no Brasil, às pressões inglesas para que o país concretizasse a abolição; além de questões de cunho social, como por exemplo às relações entre negros e brancos, permeadas de tensão, desconfiança e conflitos no momento em que a escravidão estava sendo cada vez mais questionada. 

A história de Luiz Gama, que conseguiu ganho de causa para mais de 500 pessoas escravizadas no Brasil, em uma época em que a escravidão ainda era legalmente permitida (lembrando que a Lei Áurea foi assinada somente em fins do século XIX - 1888) traz para os adolescentes uma história que foge aos grilhões. Uma história de resistência, em que quando se luta por justiça e igualdade com responsabilidade, estudo e coerência, o certo pode prevalecer. 

Entretanto, cuidado. Um dos pontos fundamentais que o professor deve ficar atento é para não cair na falácia da meritocracia. Luiz falava inglês, espanhol e latim. Foi uma pessoa escravizada que conseguiu, apesar das dificuldades, aprender a ler e a se especializar nas causas do Direito. Porém, isso não significa defender a meritocracia e que todos teriam as mesmas condições de Luiz. Significa na verdade enxergar na história de Luiz a luta pelo justo, pelo correto, que pessoas negras podem e devem conseguir o que querem, mas fazendo dura crítica às marcas que a escravidão deixou no Brasil, principalmente no que tange ao racismo estrutural.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“A Vila”: uma ilustração de conceitos de E. Durkheim

Anatomia de uma Queda – e as mortes indecifráveis

Aumenta que é Rock'n Roll: um rito de reencontro com a democracia